proposito

Descubra seu propósito

Para colocar nossos dons e talentos no mundo com mais significado, é preciso olhar para dentro com coragem a fim de descobrir a nossa verdadeira essência

“Mãe, o que é que a gente veio fazer aqui?”, era uma pergunta que fazia, de tempos em tempos, a garotinha que eu era. Mas o que aquela pessoa de pouca idade queria saber nada tinha a ver com os lugares a que meus pais me levavam. Era o que fez virmos parar no planeta Terra, na minha casa no Brasil em vez de uma casa no Japão (eu sempre pensava no Japão). Mas, bem, nem tudo o que as crianças querem saber os adultos sabem responder. E ao longo dos anos entendi que cada um carrega no seu caderno as suas próprias questões. Esse caderno, às vezes o levamos conosco, às vezes o deixamos embrulhado em alguma gaveta enquanto a vida segue.

Hoje sinto que esta pergunta, “o que é que eu vim fazer?”, tem sido despertada em cada vez mais gente, mesmo quando o vestibular já ficou a anos-luz de distância, quando temos carreiras consolidadas, empregos formais, e até mesmo uma vida confortável e feliz. “O que alegra profundamente o meu ser?” “Como sentir uma satisfação verdadeira e plena?” “Qual é o meu propósito?” Decidi carregar meu caderno de perguntas comigo e agora compartilho algumas respostas com você. Não porque estas sejam as melhores e mais certas, mas porque este talvez seja meu propósito por aqui: compartilhar palavras que possam ser sementes de mudanças em nós.

“Se não estamos seguindo o programa da nossa alma, não importa o tamanho do sucesso que conquistamos no mundo, continuamos carregando uma angústia. E aí nos sentimos desencaixados”, escreveu o psicólogo e mestre espiritual Sri Prem Baba no seu livro Propósito (Sextante). Senti que Prem Baba poderia me trazer mais reflexões, e levei minhas perguntas a ele. Com voz calma e certo bom humor, ele me diz que esse sentimento de que há algo fora do lugar é um primeiro sinal para quem começa a buscar respostas mais profundas. “Perdemos a nossa conexão com a nossa identidade, com a razão de estarmos aqui. Tem gente que nem se faz essas perguntas. E aparentemente está tudo certo… Mas, de repente, você começa a sentir o cheiro desse desconforto. E aí aparece um filme, ou você lê um livro, ou mesmo tem uma conversa com um amigo… E as inquietações aumentam”, ele diz. É o momento em que se anuncia uma nova fase do nosso processo de evolução da consciência: começamos a nos perguntar sobre um significado maior da nossa vida. Por que acordamos todos os dias? O que estamos fazendo com nosso tempo? Quais são os talentos que recebemos? Passo a compreender que a busca por um propósito diz muito mais do que a busca por um emprego que traga satisfação. A questão é maior. Trata-se de uma jornada profunda de autoconhecimento, para que a gente possa se despir de camadas que foram colocadas sobre nós ao longo da nossa caminhada, que nos distanciam do nosso eu maior. Mais do que “descobrir”, é uma busca sobre “se lembrar” da nossa verdadeira essência.

Uma jornada sobre nós
Prem Baba me diz que nosso propósito está relacionado ao programa da nossa alma; ele está ligado aos nossos dons e talentos, que então se colocam a serviço do propósito maior. E qual é esse propósito maior? “É colocar o amor em movimento. É permitir que esse amor chegue a alguém através daquilo que fazemos de melhor. Esse amor passa através dos seus dons e chega no outro. E o seu fazer no mundo ou o seu trabalho acaba se tornando um servir. É exercer um amor maduro, altruísta, é querer ver o outro bem. Não só as pessoas, mas os animais, a natureza. Diria que é o amor pela Terra e por todos os filhos dela.” Cada vez mais vou entendendo que restringir propósito a apenas se dar bem em uma profissão é algo limitado. “O propósito passa pela autorrealização, mas só a autorrealização não é manifestar seu propósito”, me diz a psicóloga e terapeuta do despertar Maju Barbosa. “A busca por propósito é um dos movimentos ao longo do autoconhecimento. Despertar é começar a viver a nossa frequência original, da qual nos distanciamos desde o nascimento. À medida que cada um caminha em direção à sua frequência, caminha também em direção ao todo, ao querer bem não só para si mas também para os outros.”

O que eu gosto muito nessa história é que todos nós, sem exceção, chegamos por aqui cheios de habilidades e talentos a serem compartilhados com mais gente. Não tem quem não tenha os seus. Aquele amigo que canta muito bem, a prima habilidosa na organização das festas, a tia cuja comida transborda amor, o parceiro que é quase um detetive capaz de analisar situações complexas… E por aí vai. Não há talento maior ou menor. 

Mas às vezes encontramos dificuldade em enxergar e reconhecer nossos dons; outras vezes não acreditamos que essas habilidades poderão nos levar muito longe em um mundo que parece exigir tantas garantias e rotas seguras.

Quando a gente se vê meio perdido, sem conseguir enxergar aquilo que nos torna especiais, perguntar aos amigos queridos sobre nossas qualidades pode ser uma boa forma de encontrar pistas. Aqueles que nos cercam geralmente sabem o que trazemos de único e ainda não fomos capazes de olhar. E aprender a honrar o que temos de bom é um passo essencial para colocar no mundo os talentos que são só nossos. Você já notou que tem algo que faz com imensa facilidade, e por isso mesmo até acha aquilo sem importância? Esta é uma das características dos talentos: sempre podem ser aprimorados, mas também são feitos de forma natural. E precisamos dar mais valor a isso.

Todos nós, sem exceção, chegamos por aqui
cheios de habilidades e talentos a serem compartilhados.
Não tem quem não tenha os seus.
Eles expressam nosso jeito de estar no mundo.

 Também há muita gente que já reconhece e domina seus talentos, mas isso ainda não significa que está vivendo sua missão. “Um artista que trabalha nas artes cênicas, por exemplo. Ele já conhece suas habilidades, já atua… Mas, se usa isso de egoísta, ainda não está alinhado ao propósito”, explica Prem Baba. Ele conta que viver um propósito nem sempre requer mudar de carreira e largar tudo para recomeçar bem longe de casa. É na verdade uma mudança interna, um salto de consciência. É compreender essa dimensão que sabe que tudo está conectado. “E aí a forma como a pessoa trabalha se torna diferente. Então ela continua até na mesma empresa, na mesma função, mas agora sabe que seu trabalho pode fazer a diferença.”

Muitas vezes também não vemos naqueles talentos que nos trazem alegria uma possibilidade de torná-los um ofício. É como se fosse um privilégio que não merecemos — ainda que nem tenhamos a consciência de pensarmos assim. Sabe, não há regras para dizer como cada passo deve se desenrolar; a jornada é sempre muito particular. Mas o mágico é que os caminhos inesperados podem nos colocar em uma direção jamais imaginada.

O carioca Rico Branco tem uma história que fala muito sobre isso. Ele trabalha no projeto Uma Só Voz, em que forma corais com moradores em situação de rua. “A arte é extraordinária para nos fazer entrar em contato com a gente. É simples, mas me sinto feliz fazendo o que faço. Os moradores são aplaudidos e muitas vezes chegam até mim emocionados, porque isso nunca tinha acontecido antes”, ele conta. A música entrou pela casa de Rico quando ele ainda era bem garoto, graças aos tios e seus amigos que invadiam a noite ao som de seus violões.

Quando adulto, por quase dez anos Rico trabalhou como vendedor de carros e, à noite, tocava em bares. “Mas naquela época a música era só música para mim. Eu ainda não tinha entendido o poder que ela tem”, ele conta. Há três anos no projeto, hoje a arte virou seu ofício. Não que seja um trabalho fácil: é preciso lidar com pessoas em condições muito difíceis e delicadas. “Mas aí a música desperta no coração daquela pessoa algo novo, uma esperança, um sonho”, ele diz, com gratidão e um preenchimento para além das dificuldades. “A vida é extraordinária, ainda mais com a arte. E quero que através do canto, da dança, as pessoas voltem a brilhar como uma estrela.”

Medo da felicidade
Muitos de nós podemos ouvir um chamado para seguir aquilo que nossa alma aponta como caminho, mas nem sempre teremos a coragem necessária para esse mergulho, mesmo vislumbrando os tesouros escondidos nesse mar em nós. “São muitos medos que nos habitam. É importante compreender que, quando nos distanciamos da nossa verdadeira identidade, nos distanciamos para agradar o outro, para sermos aceitos, queridos. Construímos um personagem, uma vida sem conexão com essa verdadeira identidade. Há um medo profundo em perder a zona de conforto, por pior que ela seja”, diz Prem Baba. Também há o medo da própria grandeza e do próprio sucesso, do prazer, da felicidade. “Porque o prazer é luz. E a luz dissolve nossa escuridão. Mas estamos identificados com essa escuridão e aí temos medo de sermos dissolvidos.

O medo do prazer é maior que o medo da dor.” Até superar os pais também pode ser o medo inconsciente de muita gente. O receio de ser melhor do que a família e, com isso, perder a conexão com eles, atrapalha a seguir os próprios caminhos. A paulista Gabi Shapazian é uma garota que resolveu romper com o script do que era proposto para uma jovem da sua idade. Deixou os planos da faculdade, a família e foi para o mundo. Enquanto eu escrevia esta matéria, Gabi estava em Lesbos, na Grécia, recebendo refugiados sírios que chegavam à Europa através daquele país. Ela acabou de completar 18 anos e sente que vive o seu propósito. Como voluntária independente, seu trabalho envolve organizar doação de roupas e comida, distribuir alimentos e remédios, levar crianças para a escola. “Mais do que isso, eu levo a minha solidariedade e o meu abraço a quem mais precisa”, diz.

Precisamos dissolver o medo da própria grandeza
e da felicidade. Prazer é luz. E essa luz derrete nossa escuridão.

É preciso coragem para sair da zona de conforto e descobrir quem somos. No Brasil, Kety, mãe de Gabi, precisou encontrar uma forma de arrecadar dinheiro para manter a filha em seu ofício. Começou a vender flores em garrafas, primeiro no farol, depois em um mercado orgânico. Hoje, parte do lucro da microempresa que criaram juntas, a Flores para Refugiados, é destinada para Gabi continuar vivendo seu propósito. Mas Kety sempre recebe questionamentos sobre os rumos da filha. “Eu tenho muito orgulho da Gabi. Aos 16 anos ela já sabia qual era seu propósito. Não acho que ela tenha que voltar para fazer uma faculdade, se não quiser. Me perguntam como ela se sustenta, e está aqui, as flores geram a renda de que precisamos”, me diz. Quando penso nessa história, vejo quantos desafios que nos impedem de viver um propósito foram superados. A aprovação da família, os julgamentos do que a sociedade diz que é um bom caminho e mesmo o receio de não ter recursos para viver bem fazendo o que amamos. Mas parece que dentro do propósito, mesmo diante de desafios, as coisas se ajeitam. Lembro do que diz Eckhart Tolle, escritor e conferencista alemão: “A satisfação do propósito estabelece a base para uma nova realidade, uma nova Terra. Depois que esse alicerce passa a existir, seu propósito exterior se torna carregado de poder porque seus objetivos e suas intenções estarão unidos ao impulso evolucionário do universo”.

É o “como”, e não o “o quê”
Embora essas histórias que você leu falem sobre ajuda humanitária, é preciso saber que dentro do propósito não existem atividades mais nobres ou melhores. Nosso ego é quem cria grandes expectativas e quer sempre algo que pareça grandioso, mas não é assim que a nossa essência verdadeira se reconhece. A pergunta deixa de ser “o que eu vim fazer”, e passa a ser “como eu estou fazendo”. Em qualquer função, cada um pode gerar mudanças incríveis em si e no mundo através da forma como faz aquilo. E não precisamos achar que viemos para ser apenas uma coisa só a vida inteira. “Propósito tem a ver com ser quem você é. E isso você manifesta em tudo, em qualquer situação, área, profissão. É uma forma de estar no mundo”, diz Maju.

A americana Ashley Richmond passa boa parte do tempo de trabalho limpando cocô de animais. Ela cuida de girafas, cangurus e outros bichos no zoológico de Detroit, trabalhando para que vivam em um espaço confortável e interessante. Seu dom de se conectar aos animais e entender suas necessidades faz com que ela sinta um enorme sentido em estar nessa posição. “Minha meta de todo dia é garantir que estejam gostando do ambiente — e boa parte disso depende de um espaço limpo”, ela diz. A história de Ashley é contada por Emily Esfahani Smith em seu livro O Poder do Sentido (Objetiva). Nele, Emily fala sobre como o propósito é um dos pilares importantes para uma vida com sentido.

“Propósito soa grandioso, como acabar com a fome no mundo ou como extinguir armas nucleares. Mas não precisa ser. Também podemos ver um propósito em ser um bom pai para os filhos, criar um ambiente mais alegre no escritório ou tornar mais prazerosa a vida de uma girafa”, ela diz. Nessa jornada, cada um vai descobrir, em si, o que é que faz o coração vibrar. “Algo é verdadeiro quando faz eco ao que existe no íntimo do nosso Ser e o expressa, isto é, está alinhado ao nosso propósito interior”, escreve Eckhart em Um Novo Mundo — O Despertar de uma Nova Consciência (Sextante).

Viva o propósito no agora
Eckhart, conhecido por falar sobre o quanto nos distanciamos de nós mesmos ao deixar que a mente nos jogue para o futuro ou o passado, diz que estar no momento presente também é caminho para vivermos nosso propósito interior. É no estado de presença que tudo muda. “Não importa qual atividade você esteja executando, você a desenvolverá extraordinariamente bem porque o fazer em si passa a ser o ponto focal da sua atenção. Sua ação se torna, então, um canal pelo qual a consciência entra no mundo.” Eckhart quer mostrar que, mesmo se não estivermos vivendo o nosso propósito externo agora, o que o futuro nos reserva é somente fruto do nosso estado de consciência desse instante.

A nossa mente ansiosa e preocupada com o que viemos fazer e se vai dar certo precisa dar um salto para regressar ao único momento que temos: o presente, onde a vida acontece. “Ao nos alinharmos com o todo, nos tornamos uma parte consciente da sua interconexão e do seu propósito: o surgimento da consciência no mundo. Aí, incidentes favoráveis, encontros casuais, coincidências e acontecimentos sincrônicos ocorrem com muito mais frequência”, diz.

Não precisamos achar que viemos para ser uma coisa só a vida toda.
Até nos hobbies podemos manifestar nosso propósito.
O que importa não é só o que, mas como fazemos o que fazemos.

No meu caderno de questões, percebo que regressar ao nosso eu maior é uma jornada profunda e desafiadora. Requer momentos de investigação pessoal, coragem para olhar para nossos medos, valorização daquilo que somos… e muito mais. Porque não tem receita pronta. Entendo que nossa forma de estar no mundo é que pode ser transformadora. Propósito não deve ser uma linha de chega- da, mas a própria travessia da nossa vida.

 

Texto de Débora Zanelato Fotografia Hanna Busing 09/06/2019

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