matrimonio

Do amor e do Matrimônio. Por Khalil Gibran (livro “O profeta”)

Profeta de Deus em procura do infinito, quantas vezes sondaste as distâncias à espera de teu navio.
E agora teu navio chegou, e tu deves partir.

Profunda é tua nostalgia pela pátria de tuas recordações e a morada de teus maiores desejos; e nosso amor não te quererá prender, nem nossas necessidades te reterão. Uma coisa, porém, pedimos-te: antes de no a deixares, fala-nos e dá-nos algo de tua verdade. E nós a transmitiremos a nossos filhos, e eles a transmitirão aos seus filhos, e ela não perecerá.

Na tua soledade, vigiaste por nossos dias e, na tua vigília, escutaste os gemidos e os risos de nosso sono. Agora revela-nos a nós próprios, e conta-nos o que te foi revelado, do que existe entre o nascimento e a morte.”

E ele respondeu:

“Povo de Orphalese, de que poderia falar-vos senão do que está agora se movendo dentro de vossas almas?”

Então Almitra disse: “Fala-nos do Amor.”

E ele ergueu a fronte e olhou para a multidão; e um silêncio caiu sobre eles, e com uma voz forte, dirigiu-se a eles, dizendo:

“Quando o amor vos chamar, segui-o.

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados; E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe, Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos; E quando ele vos falar, acreditai nele, embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como o vento devasta o jardim.

Pois, da mesma forma por que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica.
E, da mesma forma por que ele contribui para vosso crescimento, ele trabalha para vossa poda.
E, da mesma forma por que ele sobe à vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol, assim também ele desce até vossas raízes e as sacode no seu apego à terra.

Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor a vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas. Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete divino.

Todas essas coisas o amor operará em vós, para que conheçais os segredos de vossos corações e, com esse conhecimento, vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor procurardes somente a paz e o gozo do amor, então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez e abandonásseis a eira do amor, para entrar no mundo sem estações, onde rireis, mas não todos os vossos risos, e chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor nada dá senão de si próprio e nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui e não se deixa possuir.
Pois ele basta-se a si mesmo.

Quando um de vós ama, que não diga: “Deus está no meu coração”, mas que diga antes: “Eu estou no coração de Deus”.

E não imagineis que possais dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar dignos, determinará ele próprio o vosso curso.

O amor não tem outro desejo, senão o de atingir sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos, sejam estes vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir a ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor;
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia, e meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado, e nos lábios uma canção de bem-aventurança.”

Então, Almitra falou novamente e disse: “E que nos dizes do Matrimônio, mestre?”

E ele respondeu, dizendo:

“Vós nascestes juntos, e juntos permanecereis para todo o sempre.
Juntos estareis quando as brancas asas da morte dissiparem vossos dias.
Sim, juntos estareis até na memória silenciosa de Deus.

Mas que haja espaços na vossa junção.
E que as asas do céu dancem entre vós.

Amai-vos um ao outro, mas não façais do amor um grilhão:
Que haja, antes, um mar ondulante entre as praias de vossas almas.

Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça.
Dai do vosso pão um ao outro, mas não comais do mesmo pedaço.
Cantai e dançai juntos, e sede alegres; mas deixai cada um de vós estar sozinho.
Assim como as cordas da lira são isoladas e, no entanto, vibram na mesma harmonia.

Dai vossos corações, mas não os confieis à guarda um do outro. Pois somente a mão da Vida pode conter vossos corações.
E vivei juntos, mas não vos aconchegueis demasiadamente;
Pois as colunas do templo erguem-se separadamente;
E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro.”

Por Khalil Gibran (livro “O profeta”)

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